Quem é Manuela Silva Marques? O que a inspira e motiva diariamente?

Exatamente a pessoa que estava destinada a ser, mulher e advogada há mais de duas décadas.

Numa sociedade baseada no respeito pelo primado da lei, motiva-me poder desempenhar um papel ativo na defesa dos direitos e na afirmação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, colocando, com honestidade, probidade, retidão, lealdade, cortesia e sinceridade, todo o saber e conhecimento adquirido ao longo do tempo na busca de uma melhor interpretação e aplicação das leis. Em suma, pugno por uma boa administração da justiça, por uma sociedade mais justa.

Assumo o gosto e empenho pela profissão, num consciente soft style. Todavia, tendo em conta que a prestação de serviços jurídicos evoluiu de forma extremamente dinâmica com os fenómenos da globalização e da evolução tecnológica, há que aceitar dos desafios da comunicação social e o assumir de um comportamento público e profissional como instrumento e elo de contacto entre cultura jurídica e a comunidade. Um advogado não deve ser apenas um pleiteador de causas e o conselheiro do seu cliente, deve assumir a sua função como uma condição essencial para a garantia do Estado de Direito Democrático.

Existem cada vez mais casos de sucesso de mulheres de negócios e empreendedoras. Mas, na sua opinião, o caminho ainda continua a ser bastante dificultado para as mulheres ascenderem a cargos de topo?

A História, como sabemos, escreve-se no masculino. Mas, a História também no diz, por exemplo, que na Grécia Antiga as mulheres, embora sequer tivessem o estatuto de cidadãos, não podendo participar nos debates públicos nem decisões políticas e vivendo na dependência dos pais e dos maridos, eram elas precisamente quem tinha o poder de os influenciar.

Desde então e até aos dias de hoje, a evolução histórica dos Direitos da mulher revela uma marcante trajetória. Ora, se olharmos para dados atuais sobre o número de mulheres que hoje se encontram nos bancos das universidades, não será difícil fazer um prognostico muito favorável sobre a ascensão e sucesso do papel e poder feminino na sociedade.

A construção de uma sociedade igualitária implica necessariamente uma mudança de mentalidades, na qual o Direito desempenhará o seu papel fundamental. Temos como exemplo recente a Lei n.º 60/2018, de 21 de Agosto, que entrou em vigor no passado dia 21 de Fevereiro, visando promover um combate eficaz às assimetrias salariais entre mulheres e homens e aprovando medidas de promoção da igualdade remuneratória por trabalho igual ou de igual valor.

No plano da advocacia, este é por si só um ecossistema competitivo, desde sempre com uma predominância masculina. Às  mulheres licenciadas em Direito apenas foi permitido “o exercício da profissão de advogado” há pouco mais de 100 anos (pelo Decreto n.º 4676 promulgado em 19 de Julho de 1918Curiosamente, facto é que o universo da Justiça é hoje já maioritariamente feminino, conforme se pode constatar pelo número de Juízas, Procuradoras da República, Ministras e agentes da justiça. Ou seja, temos uma Justiça tramitada por mãos femininas, uma justiça provida de uma diferente competência emocional, resiliência e aptidão para o chamado work life balance.

Esta é uma realidade para si? Enfrentou obstáculos durante o seu percurso profissional pelo facto de ser mulher?

Pelo facto de ser mulher, não. É a própria sociedade em si que se encarrega do reconhecimento do profissionalismo, independentemente do género.

Para além das competências técnicas, há qualidades que são essenciais, que determinam o estatuto de advogado e a afirmação da sua liberdade e independência. Em minha opinião, o apelo não será pela igualdade mas sim pelo conjunto de valores ético-deontológicos que claramente distingue esta profissão das outras, assegurando a dignidade e o prestígio dos advogados, quer sejam estes homens ou mulheres.

Manuela Silva Marques é Of Counsel na Ilime Portela & Associados e advogada especialista em Direito Fiscal e Direito Penal Tributário. Atualmente, que assuntos ou temas suscitam uma verdadeira preocupação aos advogados nesta área do Direito?

Nestas áreas do Direito a contraparte é necessariamente o Estado. Em discussão e julgamento encontra-se a legalidade e a exigibilidade de atos da administração pública ou a procedência da acusação pública, sendo por sua vez o Estado representado em juízo pela Representação da Fazenda Pública nos tribunais fiscais e pelo Ministério Publico nos tribunais administrativos e tribunais criminais. O que nos leva para o patamar da necessária articulação, nem sempre fácil, entre a defesa dos direitos dos cidadãos e a prossecução do interesse público.

Em conflito encontram-se, na maioria dos casos, a defesa de interesses privados e defesa dos interesses patrimoniais do Estado, sendo que todas as atuações têm, necessariamente, de se pautar por critérios de legalidade, imparcialidade e objetividade, seguindo os ditames da boa fé, sob pena de vício autónomo de violação de lei e incursão do Estado em responsabilidade civil extracontratual. Com efeito, o princípio da boa fé não se esgota nos atos praticados no exercício de poderes discricionários, devendo ser colocada a possibilidade da sua aplicação em caso de atos praticados no exercício de poderes vinculados.

Por estas razões, os assuntos ou temas que suscitam uma verdadeira preocupação prendem-se com as violações do direito de defesa e do princípio da presunção da inocência, assim como com a violação do segredo de justiça.

O fenómeno atual de necessidade de contenção orçamental e arrecadação de receita determina o máximo alerta na salvaguarda das garantias de defesa e um maior foco nos princípios da proteção da confiança e do processo justo e equitativo.

Não se pode aceitar que a apreciação do julgado seja apenas uma questão técnica do julgador. Há que captar o real sentido e alcance dos textos normativos na subsunção dos factos às normas, sob pena de sermos confrontados com a instrumentalização do Direito e vermos os nossos tribunais convertidos em meros instrumentos de política orçamental.

Dito de outro modo, impõe-se uma visão esférica da realidade e sistémica do processo ajustado à realidade social e económica. A análise do contexto político, económico e social vividos à data dos factos em discussão, são fundamentais para enquadrar as condutas em juízo.

Há que flexibilizar o paradigma até aqui observado interligado à inflexível exigência das obrigações fiscais. Há que prognosticar as consequências das dificuldades enfrentadas pelos cidadãos.

Há que atender às circunstâncias envoltas ao caso concreto, à realidade e estrutura organizativa do tecido empresarial português. E, em particular, porque no âmbito específico do direito fiscal e direito penal tributário, ao facto de estarmos perante uma administração fiscal inatuante e incapaz de cobrar as dívidas aos seus respetivos devedores permitindo que revertam e deem azo à instauração de constantes e sucessivas imputações criminais, o que conduz a um deficiente funcionamento do sistema de justiça. Tendo em conta o enquadramento de criminalidade ocupacional e white collar a que respeita, esta realidade tem um impacto extremamente negativo nos cidadãos, estes, na sua generalidade pessoas com uma correta inserção social e um passado sem mácula criminal, passam a ver a sua vida tornar-se completamente impossível como consequência de uma “salamização” processual.

Impõe-se colocar a questão de saber se não será de reavaliar a hermenêutica jurídica, os critérios de imputação e de juridicialidade, se não será de nos afastarmos de uma conceção maniqueísta, onde só existem os bons e os maus. É atentatório à dignidade da pessoa humana que assim não seja. É atentatório à dignidade da pessoa humana que assim não seja. Com efeito, é a nossa Lei Fundamental um texto de cariz humanitário, protetor dos princípios da solidariedade (entre o Estado e os seus administrados), da dignidade da pessoa humana (que impede que sejam os administrados circunstanciados a realidades que lhe determinam uma vivência abaixo de um mínimo existencial) e da capacidade contributiva (no sentido de que só podem ser exigidos dos contribuintes impostos nos estritos termos da sua condição económica). Como dispõe o Artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.” Só com o respeito pelos mesmos se alcançará a verdade material e fará Justiça.

Que retrato podemos fazer da advocacia em Portugal? Como antecipa o ano de 2019 no que diz respeito aos desafios e oportunidades?

Temos uma advocacia que, em busca da excelência, deverá desenhar um plano de atuação sustentável, debruçando-se sobre a problemática da necessidade de medição da eficácia e avaliação das chances de sucesso. Ou seja, a conceção e posicionamento estratégico são fundamentais. Entre muitas outras possíveis, fica a pergunta, em que clientes nos deveremos concentrar e porquê?

in Pontos de Vista
19 março 2019

Ver Artigo